Sobre este filme poder-se-á dizer muito do que foi dito sobre “Gravidade”, o filme de Alfonso Cuaron, que ganhou o Óscar de melhor filme de 2014: realizador com jeito para a coisa, trabalhando habilidosamente a matéria prima (argumento, fotografia, actores) e esmerando-se na aparência de um produto final apelativo onde não faltam os competentes enquadramentos e efeitos especiais e sobram os lacinhos metafísicos para lhe conferir “complexidade” e “profundidade”. Se algum mérito tem Villeneuve nesta megaprodução com todos os ingredientes e tiques de Hollywood, é criar uma história para além da história que embala o filme. Se à superfície o filme não é mais do que a reposição da mesma história da carochinha do contacto de seres alienígenas com a espécie humana, que tem alimentado há décadas o nosso imaginário, aqui com um toque de sofisticação pela decomposição visual e psicológica do processo de descodificação da linguagem que permite estabelecer uma base relacional e pela subversão da linearidade do tempo, há um subtexto que faz dele uma “outra coisa”. Sendo certo que os círculos visuais e as suas equivalentes elipses espacio-temporais que medram no filme como cogumelos heptapódicos, têm posto muitas cabecinhas à roda, sem que isso tenha a ver especificamente com este filme - é meramente matéria do argumento decalcado da novela de Ted Chiang, “Story of your life” - o que importa relevar é o ambiente e o “pathos” que o filme cria e propaga e que nos remete para os limites da nossa humanidade. Quanto à forma, não estávamos à espera de outra coisa que não fosse o arrumar dos habituais “clichés” da ordem, de um produto embrulhado à medida dos prémios que o aguardam. Os militares com as fuças e os métodos da praxe (pobre “boneco” o do Forest Whitaker). A criancinha que morre (olá “Gravity”, de novo !) e que “ressuscita” graças à recriação de um tempo circular e não linear ( atenção aos círculos, seus estúpidos !). O próprio enquadramento romântico adquire aqui uma chancela filosófica e científica de realçar, ainda que sem qualquer tesão, como dirão os amigos brasileiros, o que é pena... Para quem prefere cinema independente por gosto e não preconceito, experimentar este filme “comercial”, pode ser desopilante, quanto mais não seja pelo contraponto que importa rever entre a sedução da espetacularidade e o desapego da simplicidade e porque afinal de contas o cinema “não comercial” tem também as suas receitas e redundâncias que importa desmistificar. (** -duas estrelinhas)
Sobre este filme poder-se-á dizer muito do que foi dito sobre “Gravidade”, o filme de Alfonso Cuaron, que ganhou o Óscar de melhor filme de 2014: realizador com jeito para a coisa, trabalhando habilidosamente a matéria prima (argumento, fotografia, actores) e esmerando-se na aparência de um produto final apelativo onde não faltam os competentes enquadramentos e efeitos especiais e sobram os lacinhos metafísicos para lhe conferir “complexidade” e “profundidade”.
ResponderEliminarSe algum mérito tem Villeneuve nesta megaprodução com todos os ingredientes e tiques de Hollywood, é criar uma história para além da história que embala o filme. Se à superfície o filme não é mais do que a reposição da mesma história da carochinha do contacto de seres alienígenas com a espécie humana, que tem alimentado há décadas o nosso imaginário, aqui com um toque de sofisticação pela decomposição visual e psicológica do processo de descodificação da linguagem que permite estabelecer uma base relacional e pela subversão da linearidade do tempo, há um subtexto que faz dele uma “outra coisa”.
Sendo certo que os círculos visuais e as suas equivalentes elipses espacio-temporais que medram no filme como cogumelos heptapódicos, têm posto muitas cabecinhas à roda, sem que isso tenha a ver especificamente com este filme - é meramente matéria do argumento decalcado da novela de Ted Chiang, “Story of your life” - o que importa relevar é o ambiente e o “pathos” que o filme cria e propaga e que nos remete para os limites da nossa humanidade.
Quanto à forma, não estávamos à espera de outra coisa que não fosse o arrumar dos habituais “clichés” da ordem, de um produto embrulhado à medida dos prémios que o aguardam. Os militares com as fuças e os métodos da praxe (pobre “boneco” o do Forest Whitaker). A criancinha que morre (olá “Gravity”, de novo !) e que “ressuscita” graças à recriação de um tempo circular e não linear ( atenção aos círculos, seus estúpidos !). O próprio enquadramento romântico adquire aqui uma chancela filosófica e científica de realçar, ainda que sem qualquer tesão, como dirão os amigos brasileiros, o que é pena...
Para quem prefere cinema independente por gosto e não preconceito, experimentar este filme “comercial”, pode ser desopilante, quanto mais não seja pelo contraponto que importa rever entre a sedução da espetacularidade e o desapego da simplicidade e porque afinal de contas o cinema “não comercial” tem também as suas receitas e redundâncias que importa desmistificar.
(** -duas estrelinhas)